CAPÍTULO CATORZE
A MULHER DAS ESTRELAS
A MULHER DAS ESTRELAS
Numa das noites que passei perto de Anastasia tive oportunidade de ver como ela própria comunica com as estrelas.
Na véspera, ao fim do dia, Anastasia disse:
– Vladimir, a noite que está para vir é importante para mim. Eu não poderei deitar-me ao teu lado, mas não te preocupes, eu posso chamar a loba e ela vai guardar a entrada da toca e proteger-te enquanto dormes.
Eu não queria dormir sozinho na toca. A entrada não era tapada e qualquer animal poderia entrar e atacar-me enquanto dormia. Os animais protegiam Anastasia, mas eu, ficando sozinho, poderia não lhes agradar. Podia ser que eles nem me fizessem nada de mal, mas a sensação de alerta ou de medo não me deixariam adormecer. Deste modo, perguntei:
– Anastasia, e tu onde vais estar esta noite?
– Dentro de água no lago, Vladimir.
– Quer dizer que vais tomar banho. Tens mesmo que tomar banho precisamente esta noite?
– Sim, Vladimir, esta noite é única no ano e eu não devo deixá-la passar. Eu não a interroguei sobre a razão pela qual ela tinha que ir para o lago naquela precisa noite, estava mais interessado na minha questão de como ficar em segurança. Propus-lhe:
– Eu também vou contigo para o lago. Fico sentado na margem enquanto tu te banhas.
– Está bem, Vladimir. Mas veste algo mais quente e levamos erva seca. Assim, se quiseres dormir, podes deitar-te sobre ela.
Assim fizémos. Quando escureceu, deitei-me sobre a erva seca e fiquei a ver o que acontecia.
Aquela noite estava amena e sem vento. As copas das árvores não faziam ruído, não se ouvia nenhum ruído por entre as ervas, nem o sussurrar dos habitantes nocturnos da taiga. No céu limpo luziam inúmeras estrelas de forma extraordinariamente brilhante.
Anastasia ficou de pé na margem do lago olhando em silêncio a sua superfície lisa, na qual as estrelas grandes e pequenas se reflectiam como num espelho. Depois despiu o vestido e entrou nua no lago. Durante algum tempo ficou com a água pelos joelhos, depois agachou-se e começou a afagar cuidadosamente a água com as palmas das mãos. E de repente Anastasia mergulhou na miríade de estrelas reflectidas na água. Mergulhou com cuidado, sem agitar a água. Ao emergir, começou a nadar devagar, em círculo. Foi depois diminuindo gradualmente o diâmetro dos círculos, até que se encontrou precisamente no centro do lago. Ali, virou-se de costas e ficou deitada a flutuar na água com o rosto virado para o céu, com os braços estendidos para os lados.
Como as estrelas do céu se reflectiam na água do lago, parecia que ela estava deitada no meio de um espaço repleto de astros luminosos por toda a parte, por cima e por baixo, fazendo ela própria parte da família estelar.
A água do lago pulsava com uma luz colorida e suave, quase imperceptível. O lago estrelado e todo o espaço em redor encantavam, e eu adormeci, sem pensar em nada.
Acordei com a aurora, quando as estrelas já não se reflectiam no lado, e Anastasia estava sentada ao meu lado vestida com o seu vestidito de malha, abraçando os joelhos, com a cabeça pousada sobre eles. Ela não se mexia.
Embora fosse muito cedo, eu já não conseguia dormir. Queria saber porque é que ela tinha feito aquele procedimento nocturno tão estranho?
Cheguei-me para perto de Anastasia e, afagando o seu braço, disse:
– Não te ofendas com o que te vou dizer, Anastasia.
– Diz, Vladimir, eu não me ofendo.
– Esta noite foi muito bonito no lago. Eu nunca tinha visto algo tão belo na minha vida e nunca tinha tido uma experiência tão agradável. Parecia que este lago não se encontrava na taiga siberiana, mas sim no meio do universo. Mas, Anastasia, não devias ficar tanto tempo dentro de água. Agora tens que te cuidar. Penso que não devias fazer o que fizeste esta noite. A água já não está suficientemente morna para tomar banho, tu podes constipar-te ou pode acontecer qualquer outra coisa má, e tu estás à espera de bebé e deves proteger-te, ainda por cima não vejo nenhum sentido nesse procedimento ou ritual.
– Há um sentido naquilo que eu fiz, Vladimir.
– Qual?
– A água deste lago banhou a minha mãe, quando eu apareci no mundo. E em geral, a água é muito, muito importante, ela está presente em todos os seres vivos existentes no universo.
A água da vida contém em si toda a informação sobre a co-criação da vida no universo. E ela ainda contém todos os pensamentos e sentimentos que alguma vez o ser humano produziu. E a água também pode sentir e reagir às emoções humanas.
– Pode ser que seja assim, Anastasia, eu não sei, mas para quê tomar banho de noite no lago? Porque é que tens que fazer isso?
– Vladimir, eu quero conhecer a forma como viveram as pessoas desde o seu aparecimento até aos dias de hoje. Quero determinar em que momentos e séculos elas foram mais felizes. Saber o que lhes trouxe a maior felicidade, e depois falar sobre isso às pessoas de hoje, para que elas sejam felizes, para que os nossos filhos sejam felizes.
– Mas porventura isso é possível, conhecer os feitos das pessoas que viveram há muitos séculos atrás?
– É possível, sim, Vladimir. Quando uma criança nasce, ao crescer, ela torna-se parecida com os seus pais, exteriormente e não só, mas ela também é parecida com o primeiro homem. Ela tem o mesmo sangue e na profundidade da sua memória guarda toda a informação desde o momento da co-criaçao. Ela não pensa sobre essa informação, mas com algum esforço é possível relembrar tudo.
– Suponhamos que é possível, mas essas lembranças serão apenas sobre os antepassados dessa pessoa em particular.
– Claro, Vladimir, que é apenas sobre os seus antepassados, sobre os seus progenitores. A memória das minhas células mostra-me imagens da vida dos meus progenitores e antepassados, apenas dos meus.
Anastasia deu um salto, correu até ao lago e tocou cuidadosamente a água, depois virou-se para mim e continuou:
– Mas a água conhece o passado de todas as pessoas, nela existe informação sobre todos e sobre tudo o que alguma vez sucedeu no universo. E ela ajuda-me a ver isso. Quando eu me encontro no centro do lago e penso, ela pensa juntamente comigo e procura as imagens necessárias, ela até verifica tudo o que sucede em todos os planetas, porque ela está em toda a parte.
No lago reflectem-se as estrelas, e as estrelas reflectem-se nos meus olhos, nesse momento nós somos um. Toda a informação do universo se torna acessível ao ser humano, uma vez que nesse momento ele se sente uma partícula do universo. O universo alegra-se quando o ser humano se sente uma partícula sua, e está pronto para o servir e materializar, na realidade, o que foi pensado pelo ser humano.
Eu escutava como Anastasia falava com uma convicção tranquila sobre o universo, as estrelas e a água e pensava: “Esta jovem beldade vive na taiga e não tem nenhuns problemas domésticos como no nosso mundo tecnocrático, talvez por isso os seus pensamentos e noções sobre o funcionamento do universo sejam tão peculiares. Ela fala sobre as suas noções do mundo com tanta convicção, que nem me sinto à vontade para falar sobre as minhas dúvidas em relação ao que ela diz”. Disse em voz alta:
– Tu, Anastasia, analisas a vida humana como se fosses uma cientista. Que espaço de tempo conseguiste visualisar?
– Para já muito pouco, apenas nove milénios.
– Esse teu muito pouco, é na verdade muito! E que conclusões tiraste daquilo que viste?
– Eu conto-te sobre as minhas conclusões mais tarde, Vladimir. Ou mostro-te simplesmente imagens e tu e as outras pessoas poderão tirar as vossas próprias conclusões a partir delas.
– As pessoas poderão tirar conclusões, claro, se acreditarem no que tu dizes. Por exemplo, falas sobre a água de uma forma particular, mas onde estão as provas de que a água pode guardar informação e ainda reagir às emoções humanas?
– Eu acho que os vossos cientistas modernos têm essas provas.
– Eu não ouvi dizer nada sobre isso. A nossa relação com a água é simples, ela é simplesmente água, uma partícula da natureza que rodeia o ser humano.
– Sim, é uma partícula, uma partícula viva e há pouco quem pense nela como um ser vivo. Tu pedes provas, embora a maior parte do teu corpo seja constituída por água.
Eu posso falar-te sobre os procedimentos que qualquer pessoa pode ter, para sentir por si própria as possibilidades magníficas da água viva.
– Fala.
– Para ti ou para quem queira experimentar por si mesmo as propriedades curativas da água, é primeiro necessário encontrar uma nascente com água que seja mais ao seu gosto.
Deve-se trazer essa água para casa, dividi-la em recipientes e congelá-la. Em cada noite deve-se colocar num recipiente sobre a mesa, a quantidade necessária para ser utilizada no dia seguinte, de preferência sobre um pano verde.
Antes de dormir é necessário dizer à água palavras bondosas ou simplesmente pensar sobre ela de forma carinhosa.
Nessa sala não deve estar demasiado calor e é necessário que reste ainda um pouco de gelo na água. Se não for o caso, é preciso acrescentar um pedacinho de gelo que se guarda em separado no congelador.
É desejável acrescentar à água morna um pedacinho de gelo. E ao chá quente que bebes também.
Enquanto o gelo estiver a derreter, é bom pensar sobre a água com carinho, podem dizer-se palavras bondosas para ela, como se fosse um ser vivo. Pode acrescentar-se uma gotinha de óleo de cedro à água descongelada. Não importa em que quantidade de água cairá essa gotinha, a informação dela vai espalhar-se por todo o volume de água, essa informação é muito importante.
Antes de dormir pode afagar-se o recipiente com a água e soprar ar de dentro de ti para a água.
No dia seguinte, quando acordares, saúda a água. É desejável beber a água em golinhos pequenos e sem pressa.
E ainda se pode molhar o rosto.
Quando no teu corpo houver qualquer tipo de doenças, a água começará a curá-las. Vais sentir melhoras após três dias.
Se consumires essa água durante noventa e nove dias, até as doenças sérias sairão do teu corpo e vais notar como a pele no teu rosto melhorará significativamente.
Se quiseres que o teu corpo rejuvenesça e o pensamento comece a trabalhar com maior rapidez, então para além de consumir a água podes tomar óleo de cedro de manhã, ao meio dia e ao início da noite, um golinho de cada vez. E ainda mel de diferentes plantas e pólen de flores na quantidade que te for agradável. Mas não se deve misturá-los com a água. Se assim fizeres durante trinta dias, o teu pensamento começará a trabalhar com grande velocidade, e o corpo vai rejuvenescer.
– Aquilo que tu contas, Anastasia, merece atenção, porque pode ser comprovado por cientistas e pessoas comuns. Mas de onde sabes tudo isso? Dos teus antepassados?
– Da água - proferiu Anastasia e começou a rir, rodopiou alegrando-se com alguma coisa, depois parou e acrescentou seriamente – e ainda das estrelas.